Notícia - Serviço doméstico volta a gerar empregos no Brasil19/03/2018 Serviço doméstico volta a gerar empregos no Brasil
No ano passado, 312 mil brasileiros conseguiram vaga no segmento para garantir o emprego
O retrato do mercado de trabalho brasileiro entre o fim de 2017 e o início de 2018, nos últimos suspiros de uma crise que se estende por mais de três anos, pode ser comparado a um cenário de terra arrasada depois da guerra. Construtoras e fábricas passaram o último ano ainda sem fôlego para contratar funcionários, o que mostra que a produção brasileira continua com o pé no freio — juntos, construção civil e indústria da transformação fecharam 123,8 mil vagas no ano passado, que se somaram ao 1,7 milhão de postos perdidos entre 2015 e 2016 nessas áreas, segundo o Ministério do Trabalho.
Enquanto isso, voltaram a dar sinal de vida os setores de comércio e de serviços, que abriram 77 mil postos depois de terem fechado 1,2 milhão nos dois anos anteriores, e o grupo que arruma, literalmente, a casa antes, durante e depois dos estragos: o dos trabalhadores domésticos. Faxineiras, empregadas, diaristas, passadeiras, babás e caseiros, entre outros, carregam duas medalhas: o tipo de mão de obra que mais cresceu no Brasil em 2017 e o que tem a menor média salarial entre as atividades exercidas no país, com remuneração média de R$ 858 mensais, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Ainda de acordo com o IBGE, 312 mil brasileiros e, principalmente, brasileiras recorreram aos serviços domésticos entre o primeiro e o último trimestres de 2017, ano em que o país registrou o fechamento de 20,8 mil postos formais de emprego. O número engrossou a lista que, ao fim do ano passado, abarcava 6,37 milhões de pessoas — em geral, mulheres (92,3%) pretas ou pardas (65,7%) — que se dedicam a cuidar de casas, filhos, alimentação e pertences alheios. “Como a crise não passava, passei a me dedicar ao trabalho doméstico, pelo menos, aos fins de semana, para conseguir complementar a renda”, conta Edilene Vicente, 53 anos, que cozinha para uma família de sexta à noite a segunda de manhã.
No caso de Edilene, a queda nos rendimentos está diretamente ligada à crise que levou milhares de mulheres a esse tipo de trabalho. Sócia de uma agência de emprego para domésticas desde 2009, empresa na qual ainda atua durante a semana, ela viu o número de pessoas interessadas em contratar os serviços cair expressivamente entre 2016 e 2017, embora a agência esteja cheia de mulheres dispostas a trabalhar. “Antes, eu fechava 30 contratos por mês. As empregadas podiam selecionar a patroa. Agora, se fecho três, já é muito”, lamenta. Ela calcula que só 30% das clientes estão ativas hoje, o que poderia ser um bom indicativo, se o motivo não fosse a falta de interesse das famílias, que preferem negociar diárias mais baratas por fora.
A dúvida que surge é quem está contratando essas mulheres e de que forma, já que a quantidade de trabalhadoras domésticas continua subindo. “Na realidade, o que aumentou foi o número de diaristas, não de empregadas formalizadas. Muitas mulheres perderam o emprego com carteira assinada e passaram a fazer diárias”, explica Mario Avelino, presidente do Instituto Doméstica Legal. Esse movimento explica, em parte, o aumento da informalidade entre os trabalhadores domésticos — entre 2015 e 2017, a fatia sem carteira assinada subiu de 67,88% para 70,55%. Atualmente, segundo o IBGE, 4,5 milhões de domésticas trabalham na informalidade. No início de 2017, eram 4,1 milhões.
Além disso, Edilene notou uma mudança de perfil de quem procura entrar nesse mercado. “Hoje em dia, mais da metade tem ensino médio ou algum curso superior. Vem muita pedagoga, enfermeira, que não consegue vaga nas áreas delas”, conta. Até 2014, isso era raridade, lembra. Em média, só duas ou três em cada 10 tinham algum curso. “Em momentos favoráveis da economia, essas pessoas mais qualificadas conseguem outras formas de trabalho. Era o que faziam até 2014. Mas, de lá para cá, o país fechou milhões de vagas, elas ficaram desempregadas e precisaram se virar para conseguir pagar as contas”, explica o coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, Cimar Azeredo.
Falta opção em outras áreas
Com o ingresso de 382 mil brasileiros, entre 2014 e 2017, no grupo de 6,3 milhões que trabalham com serviços domésticos, o perfil da mão de obra foi atualizado. “Na situação de crise, por falta de opção, as mulheres que têm condições foram para a informalidade. As que não têm, foram ou voltaram para o trabalho doméstico”, explica o coordenador de Trabalho e Rendimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Cimar Azeredo. Além das que voltaram a trabalhar na área após terem conseguido abandoná-la, há outras que estavam com tudo encaminhado para ingressar em outros tipos de trabalho, mas se viram obrigadas a continuar, aponta o especialista.
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O curso de enfermagem de Andréia Trindade, 27 anos, anda e desanda conforme a economia brasileira. Babá desde os 12 anos de idade, ela conseguiu se estabilizar em uma casa no fim de 2014. Aproveitou que as contas estavam em dia e resolveu se matricular no curso de enfermagem. “Meu objetivo era concluir o curso e trabalhar na área. Nos primeiros semestres, estava tudo certo. O problema começou quando eu fui demitida, em fevereiro de 2017”, conta. A família para quem Andréia trabalhava, no Lago Sul, precisou cortar despesas. A primeira foi o salário da doméstica, que saiu à procura de outro emprego. “Parei o curso para fazer bicos e conseguir pagar as contas”, lembra.
Andréia até tentou conseguir um emprego no comércio nos meses que se seguiram à demissão, mas não conseguiu respostas. “Não tem jeito. Aceitei que vou ter que continuar como doméstica”, lamentou. Em abril, voltou a trabalhar como diarista e babá, em localidades diferentes do Distrito Federal, sem ideia de quando voltará a frequentar as aulas de enfermagem. Não à toa, Cimar Azeredo, do IBGE, conta que voltou a aumentar a frequência de jovens no serviço doméstico.
Embora não tenha números exatos, Azeredo afirma que, até 2014, as mulheres que ficavam nessa área eram as mais velhas, que trabalharam nisso a vida toda. “Sem qualificação, dificilmente as mais velhas conseguem espaço em outro nicho. Já as mais jovens tiveram mais oportunidade de estudo, só que agora não conseguem ser inseridas no mercado de trabalho”, explica. “Ninguém nasce com o sonho de ser doméstica. Se você der oportunidade, ela sai. O problema é que não tem tido.”
Números
123,8 mil vagas foram fechadas na construção civil e na indústria de transformação em 2017
77 mil vagas foram abertas nos setores de comércio e de serviços no ano passado
20,8 mil postos formais de emprego foram fechados no ano passado
Fonte: Correio Brasiliense
Sindoméstica Sorocaba - Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos de Jundiaí e Região